quinta-feira, 5 de julho de 2012

rotatória

A cabeça baixa. Os pés pesados sentindo cada passo até a porta do ônibus. Entrego o dinheiro para o motorista e espero o troco. Não confiro, coloco as notas no bolso, penso que sempre as coloco no bolso e não na carteira. Espero a fila da catraca. Dia quente, muita gente.

Agarro o ferro acima de mim e, de pé, sigo viagem. Os braços não fazem força, estão cansados. A mochila lembra meu corpo da realidade, dos deveres do trabalho, do peso. As gotas de suor caem por meu rosto, mas não as enxugo. Os olhos perdidos não querem motivo, mas vacilam e encontram algum rosto cansado dentro do ônibus e, felizes ou tristes, as pessoas não me dizem nada. As pernas se sustentam. Os braços seguram o ferro, suavizam os trancos do carro que, fortes ou fracos, não me importam.

Sem perceber, vejo a rotatória logo ali. Seguro o ferro com mais força e espero, sem vontade, a gravidade me forçando a sair do lugar. A rotatória tem algo no centro. É mato. O ônibus começa a curva: as mãos suadas deslizam, mas agarram a sustentação. Os braços se esquecem delas e relaxam aos poucos. Sinto os músculos se alongando, deixando os ossos encontrar outros lugares que não os mesmos de sempre. O ônibus que antes deixava-se ir com uma descida, acelera. As costas estralam. Deixo o peso dos pés se distribuir e suavemente vai equilibrando-se entre a base do calcanhar. O suor escorre para o pescoço, os olhos veem apenas o centro da rotatoria, o mato. O verde, antes morto, ganha movimento. Consigo ver os feixes de luz batendo no vidro e vindo aos meu olhos, coloridos, com a circunferência verde desfocada ao fundo. Estamos na metade do percurso e a minha mochila já descola das costas suadas, suspende-se no ar presa apenas pelas alças dos ombros, flutua, me força para trás, e deixo. Fecho os olhos. O corpo encurva-se quase por completo. Sinto as mãos o mínimo: apenas para lembrar que estão ali. Não sinto mais os braços. De relance, abro um olho e vejo o ônibus vazio, ergo a cabeça e fecho os olhos novamente. A caixa de lata antes hermética, agora recebe ar por todos os lados. Um vento vazio faz a cabeça erguer-se novamente querendo mais ar em movimento. Respiro fundo, devagar. As pontas dos pés passam rente ao chão mas não os tocam. E não quero mais voltar.