segunda-feira, 19 de setembro de 2011

Roncos

Estava errado e indo pelo caminho certo lá pelas duas e meia da madrugada. Depois de passar por duas praças em que os lixeiros me olhavam como um deles, chego às ruas estreitas que direcionam para o endereço de minha casa. Os passos são ruidosos e lentos, muito por causa do asfalto de paralelepípedos. Poças d'água são parte das pisadas e seus ecos batem nas paredes das ruas que vão para o céu limpo de lua pequena. As luzes são fracas e servem de caminho para os desavisados ainda que podem significar que eu deveria estar dormindo, mas não. 

As portas estão abertas em sua maioria e temo encontrar algum velho nervoso por essas horas da matina. Os portões bem pintados contrastam com as paredes desbotadas de muitas cores: vermelho, bege, marrom. E as janelas sem proteção ou semi-cerradas providenciam um fenômeno de ruídos insólitos. Roncos.

O primeiro parece ser de uma senhora de 40 anos, pouco menos. O som nítido e pouco anasalado só se torna ronco quando toca de leve o céu da boca, é sutil. O outro é estrondoso. Deve ser um homem gordo que reclama de tudo, pois não há nenhum pudor (se é que existe) em eliminar o ar por bocas e nariz. Há mais uns dois mas não pude identificar, eram baixos e meus passos e respiração confundiam a minha audição.

Recordo-me de uma passagem do livro "O Encontro Marcado", de Fenando Sabino, em que um velho sábio e bêbado diz a Eduardo Marciano que o sono é a expressão mais sincera do ser humano. O rosto, as feições e, presumo, o ronco. E se alguém me perguntar, as "calles" de Sevilla respiram sim, e alto.


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