segunda-feira, 30 de abril de 2012

Medalhões revisited

Essa coisa de recriar capas de revistas ou de discos clássicos é recorrente. A revista Serafina, da Folha, revisitou discos clássicos com artistas de reconhecimento de nicho, sem ser mega-populares ou ter relação direta com gravadoras. Uma nova geração fazendo música por uma nova lógica homenageando os seus mestres.



Essa do Cartola/Criolo ficou classe.


Só precisam avisar eles para isso não acontecer a cada três anos. Em 2009, a Trip fez o mesmo com a capa clássica da Revista Realidade de 1966, quando lançava a nova safra da música brasileira da época funcionando como produção coletiva, um influenciando (não diretamente, é verdade) no trabalho do outro. Olha o resultado aí:



Homenagem ou artifício da crítica pra fortalecer uma cena, o resultado ficou bem legal. E a Trip acertou nas escolhas de Céu, Romulo Fróes e Hélio Flanders. Ganjaman e Kassin já eram figuras carimbadas: o primeiro com Planet Hemp e Racionais e Kassin com Los Hermanos, Acabou La Tequila e Orquestra Imperial.

Dá pra reconhecer todo mundo das fotos?

quarta-feira, 4 de abril de 2012

O cheiro do ralo – as coisas


As coisas acontecem independentes da gente. Nós é que depois criamos o seu sentido.




As coisas não são apenas coisas. Podem ser apenas coisas, mas em geral são mais que isso por que a gente quer que sejam. São carregadas de significado, de história, de lampejos de ações, de esperança, de desespero. São luzes que indicam caminhos dentro da sua cabeça. Clareiam uma tal verdade e encoberta todas as outras verdades. Epifania ou paranoia, as coisas são independentes em sua existência se vistas distantes. De dentro de um contexto, de uma estória, de uma casa, de uma mente, adquirem força de trilha a ser seguida, de destino, mesmo que dure o tempo de uma obsessão. E isso sempre acontece.

[spoiler, mas leia.]

O cheiro do ralo: O ralo fede e isso o incomoda. Seus clientes vão perceber e ele não quer que pensem que ele cheira mal. Mas então ele se importa com os clientes? Não. Os maltrata, mente, joga. Natureza da negociação diária talvez, o homem aprende a ser impassível, saber o que quer em pouco tempo, saber o que vale e o que é inútil. O fedor do ralo não é insegurança, mas a coisa que ele precisa para estar de acordo com as suas conjecturas, os seus caminhos.  O mau cheiro influencia o seu modo de ser. Mas fedia e por isso tampou o ralo. O cheiro acabou. A vida virou uma merda. Tornou-se obcecado pela nudez barata e foi à delegacia por isso. Ainda seguro com as suas inseguranças, ele estava bem até que estava sem a bunda. E o cheiro do ralo fazia falta. Que faz? Constroi outra coisa, outra obsessão.

A bunda: De início a moça era uma garçonete simpática que não poderia dar nada além de uma transa vazia a se esquecer facilmente. Mas ao ver a bunda, ele se esquece do resto, do todo. Começa a fazer conjecturas sobre a bunda como se a possuísse, imaginando-se apenas com ela, a bunda. Para isso comeria todos os hambúrgueres de merda do bar, beberia todos os refrigerantes só para vê-la (a bunda, somente ela) empinar-se para ele. Ao longo dos dias, chega a uma conclusão devastadora. “Não quero casar com essa bunda. Não quero convites indo para a gráfica. Quero comprar ela”. Ela tem um preço, merece um preço, tem um valor. Valor criado por ele e só por ele. Nesse sentido ele é livre em partes. Não se importa com as pessoas fora de seu círculo (ou da bunda?), com a mulher recém-largada com os convites impressos na gráfica, com a sua alimentação... É livre para ficar preso à sua bunda. Não quer conquistá-la (a moça), não quer nada mais daquilo que anseia. Só ela, a bunda, é o motivo para acordar todos os dias, trabalhar, comer, etc.

O olho: Se vê fascinado por um olho que diz ser de um soldado na Segunda Guerra Mundial. Seu pai também estava na guerra. Era tudo o que precisava para ter o seu pai de volta à vida. Era o novo amuleto, brinquedo, amigo e muleta existencial dele. Mostrava a todos com orgulho. Via com auxílio dele, queria que ele visse com ele.

O cenário: Uma loja de quinquilharias, ou melhor, de coisas de todos os tipos. Uma pequena versão do mundo em que vivemos. A parte pelo todo. Como a bunda. Um galpão aparentemente vazio de vida e cheio de pó, mas que continha a quantidade de histórias que ele quisesse e criasse. Como a bunda... Apesar de ser uma senhora bunda ela, abstraída de símbolo, não era nada mais que uma bunda, contudo para ele era um caminho a seguir, um destino, uma coisa.

terça-feira, 3 de abril de 2012

Kassin e o complexo de inferioridade da crítica musical brasileira



Dentre outras coisas (gap geracional atual, tropicalismo, vida de produtor-hype de cabelos brancos moderninho), Kassin fala do "pagar pau pra gringo" da crítica cultural brasileira:

"Tem uma coisa que me incomoda na crítica brasileira em geral... Percebo isto principalmente quando vou aos prêmios, sabe? É que existe a ideia de que a música popular é a porta dos fundos. É um erro. O Brasil sofre de um grande complexo de inferioridade em relação ao exterior. É muito mais provável você ver uma primeira página de caderno cultural com a Britney Spears ou a Whitney Houston do que com o Wando. Que morreu e... Até me surpreendi em vê-lo nas primeiras páginas! Na verdade, só morrendo ele conseguiu chegar lá. Se ele lançasse um disco de estúdio, ninguém ia dar a menor bola. Só se estivesse de calcinha na capa ou em qualquer outra situação polêmica. Um disco da Ivete [Sangalo] não é tratado com a mesma seriedade que um disco da Rihanna, por exemplo. É mais provável que um disco do Pretenders tenha boas críticas e melhores espaços nas publicações do que um disco do Barão Vermelho ou do Frejat. A grande maioria dos jornalistas usa as revistas importadas como principal fonte de consulta. Pegue a Fader [aponta para a revista norte-americana que se encontra sobre a bolsa do fotógrafo Daryan Dornelles], que é a que todos os jornalistas lêem e me diga... Qual a diferença entre a banda que aparece aqui e a Dorgas? Nenhuma! Mas aqui tem uma foto bonitona, sacou? E é a novidade da parada. É o que está foda! Aí a imprensa faz um movimento! Bota o pau na mesa e diz que é do caralho. E os sites e blogs repetem. É esta a lógica. Já fui a festivais lá fora: Roskild, Primavera Sound, Sónar... Você chega lá e, cara, a grande maioria, está uma merda! O som é um horror, todo mundo toca mal, desafina... Tecnicamente e esteticamente é uma merda. É banda sem estrada, é banda com gente que não sabe tocar... Mas eu acho do caralho! Estou falando de algo que vejo e que admiro, mas por que aquilo é melhor do que o que se faz aqui? Aquilo é tão pop quanto o que nós produzimos. Na minha concepção de música pop, Timbalada e Timbaland são a mesma coisa. Não pode haver aí uma escala de valores, nem muito menos de status. Não aceito estes parâmetros. Acho de uma ignorância só. Jay-Z e Mc Marcinho para mim são a mesma coisa. O que muda é o valor que as pessoas dão. E você percebe isto nos cadernos culturais. Cara, qual a diferença entre a Paula Fernandes e a Taylor Swift?! Nenhuma! É a mesma parada. Então porque ninguém comenta o disco dela com seriedade? Porque ninguém escreve um texto que não seja um ataque? Na crítica do disco da Taylor Swift os jornalistas parecem saber os nomes de todos os músicos e produtores que estão na ficha técnica! Cara, isto é complexo de inferioridade. E acho que ultimamente os jornalistas estão cada vez mais mal preparados. Os textos são fracos. E há também outra coisa: Se você tem uma revista, deveria falar bem do que está nela. Porque, afinal, você se dedicaria a falar de algo que odeia?! Porque não utilizar então este espaço para falar positivamente de outro artista?"

E ainda corrobora com o sentido de artista como processo e não como perpétuo quando fala do tecnobrega e da Gaby Amarantos. Sentido esse que é a natureza da música do próprio Kassin.

"Eu admiro muito estes fenômenos populares de musica eletrônica: O tecnobrega, o funk carioca, a cumbia villera, o kuduro... Para mim, presenciar o surgimento destes gêneros é como se eu estivesse vendo o nascimento do samba. Você está vendo um estilo sendo gerado, ganhando forma. Não creio que o tecnobrega ou o funk sejam diferentes do samba quando este surgiu. Os padrões vão se repetindo até chegar ao ponto em que se tornam um recurso estilístico definível. Esteticamente, é algo muito interessante de se acompanhar. Há um frescor nestes sons, por não estarem atrelados ao formato de disco, por não haver um assessor de imprensa e por não estarem inseridos dentro dos padrões tradicionais de consumo... As músicas são crônicas do que acontece durante a semana. Elas tocam por um tempo e depois somem. Você não acompanha o artista propriamente... Acho um fenômeno interessantíssimo."

Daqui. O URBe que avisou.